Aforismo 149

Uma coisa é saber [ou pretender] que tudo é poder e ideias [isto é, representações da realidade]; outra coisa, diversa e adversa, é querer [ou pretender] que assim seja.

Aforismo 148

Da injustiça sofrida não convirá fazer [demasiado] alarde. Se o tempo for longo e as consciências alertas, confiemos no juízo dos espectadores. A nefasta e indelével herança que o mau juiz deixa ao injustiçado é, aos olhos dos outros [e aos olhos do próprio injustiçado], a perda da dignidade.

Aforismo 147

Porquê a epidemia de depressões [e o diagnóstico cómodo e fácil de depressão]? Porque, enfim, deixámos com que a mente tomasse conta do corpo [e não, como se presumiria, o contrário].

Aforismo 146

Dois grandes conjuntos de que é composta, hoje, a humanidade: o daqueles que usam os outros para confirmarem a sua mundividência; o conjunto [cada vez mais minoritário] daqueles que admitem, escorados nos restantes, mudar o seu horizonte mental. [Esta balança, claro está, não pende para o equilíbrio.]

Aforismo 145

Força, controlo, poder - nada disto reside na acção [quem tem poder exerce-o - e é tudo]; reside, sim, na reacção [na submissão - na oposição].

Aforismo 144

Exercitar a solidão e a real comunhão em privado - condição propedêutica e incontornável para a inserção livre [repitamo-lo: livre] no grupo. Erosão de competências ancestrais? Não - reinvenção da nossa condição.

Aforismo 143

A dois, diálogo é bom, se for sobre tudo - menos sobre as traves mestras da união, sobre os sentimentos. Se, a este respeito, o ruído - ou a melodia - dos olhos e do corpo não bastar, nada bastará.

Aforismo 142

A maturidade traz, em especial, o equilíbrio entre: a necessidade ou a inevitabilidade de exercer a autoridade; e a necessidade ou a inevitabilidade de sofrer a submissão; Sem ela - e é tão escassa - os extremos revezam-se [como num pêndulo incessante e desembestado].

Aforismo 141

Suponho que não será assim tão censurável idealizar, categorizar ou tornar abstracto o outro; principalmente, torna mais fácil odiar - ou amar.

Aforismo 140

Mais depressa cai na loucura - ou, o que é mais hediondo, na apatia - o sensato do que o insensato.

Aforismo 139

O mal é uma benção: vem para que possamos aprender; vem para que possamos [e porque podemos] aguentá-lo; e vem para que não nos esqueçamos da nossa finitude.

Aforismo 138

Na amizade e no amor, a verdadeira perda não ocorre com estrépito e de uma só vez - ocorre em milhares de pequenas e invisíveis vezes. Por isso, nos dias atomizados, há que porfiar.

Aforismo 137

Autoritário na esfera pública - dócil e submisso na esfera privada; o contrário, ao invés do que seria de esperar, também colhe.

Aforismo 136

A aversão ao escrito não é meramente uma marca - ou uma estagnação - cultural. A primazia do dito não deixa coarctar o direito à opinião rápida e sem fundamento e, mormente, exime do compromisso impresso na verdadeira opinião.

Aforismo 135

Desconfia daquele cuja única moeda de troca - cujo único pecúlio - é o trabalho. Desconfia porque o trabalho afinal não surge sozinho - é acompanhado da subjugação [dada e exigida].

Aforismo 134

Quem são os verdadeiros renegados? Aqueles que têm o temperamento - mas não o talento. [E em nenhuma época como na nossa existiram tantos.]

Aforismo 133

Quanto mais insegura - individual e socialmente -, mais feminista é uma mulher. [No fim de contas, não o esqueçamos, o ataque é a melhor defesa.] [[E é preciso adorar mulheres fortes.]]

Aforismo 132

Quanto maior o cuidado com a imagem - o espectáculo, o cerimonial, a liturgia -, menor a qualidade do poder. Mostra-se não para mostrar mas para justificar - e para esconder.

Aforismo 131

O homem racional é uma aberração da natureza; o homem romântico trai a natureza.

Aforismo 130

Para nos tornarmos imunes à crítica mais injusta - ou justa -, à observação mais descabida - ou pertinente -, de certo modo temos de criar uma imunidade também ao elogio e ao reconhecimento. À crítica responda-se com indiferença; ao elogio responda-se com um semblante enfadado ou até irritado.

Aforismo 129

Grande parte da nossa felicidade reside no apaziguamento, ou no esquecimento, das memórias da infância. A primeira acção é difícil e, pelo confronto suscitado, constante e necessário, demonstra coragem; a segunda acção [pelo confronto esporádico que ocorre na vulnerabilidade e é seguido de imediata fuga] é impossível.

Aforismo 128

Em viagem, nenhuma fotografia [nenhum relato, nenhuma representação] apresenta nítidez. Há que esperar pela chegada ou, sobretudo, pela próxima viagem.

Aforismo 127

Ser injustiçado não é uma sucessão de acasos - é uma condição, um signo [atribuídos e, o que não é despiciendo, assumidos].

Aforismo 126

Consideração pelo outro? Podemos começar também por lhe reconhecer o direito a ter problemas e a dissertar sobre eles, sem moralismo, relativização, apoucamento e, o que é pior, conselho.

Aforismo 125

Não devemos vigiar o que nos persegue – e não devemos, de igual modo, fugir do que nos persegue.

Aforismo 124

O sucesso pertence ao indivíduo [agradecimentos e reconhecimentos aos outros não vêm ao caso - a estes o prémio não lhes é dado]; o fracasso - e a consequente desculpabilização - pertencem sempre ao grupo, à condição, ao contexto. Pela negação - através da atitude, não da palavra - da última asserção se mede a estirpe de um homem.

Aforismo 123

Há quem se dedique aos outros para que deles possa se servir. As relações sociais são mais contabilísticas do que se quereria admitir.

Aforismo 122

Primeiro e último obstáculo de quem quer trepar a pirâmide social: os homens e as mulheres da mesma proveniência - e, adentro deste conjunto, os que estão mais próximos, à nossa ilharga. [Excepções não fazem sistemas esquemáticos.]

Aforismo 121

A verdade límpida é que a nossa casa não é um mero espaço físico, num mapa; o verdadeiro lar é sempre alguém - e a necessidade da viagem [da ausência] o melhor indício de solidão.

Aforismo 120

A subversão, hoje - constância; preservação; compromisso; lentidão; quietude; intimidade; silêncio; solidão; pensamento concreto; o espírito frenético e plácido - contraditório - no corpo possante e decadente.

Aforismo 119

O feminismo militante [superficial e bélico] não tem - não terá - adversários à altura; conforta-nos saber que transporta a sua própria semente de auto-destruição. [E no término deste processo? O fim da civilização.]